A plenária final da Quinta Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, composta por delegados de todo Brasil, aprovou, por unanimidade, moção da ONCB de repúdio às compras dos “óculos falantes” OrCam MyEye com dinheiro público. Confira o texto do documento na íntegra:
Há algum tempo, temos observado um movimento estranho por parte de algumas secretarias municipais e estaduais, em especial as de educação, de várias regiões do Brasil, adquirindo recursos inadequados por valores exorbitantes, como, por exemplo, os “óculos falantes” OrCam MyEye.
Essas aquisições se apresentam como injustificáveis, já que, nos últimos anos, surgiram aplicativos mais avançados e gratuitos para os sistemas Android e iOS, como o Seeing AI, Sullivan +, Be My Eyes, dentre outros, que além de fazer aquilo que esse equipamento caro faz, ainda oferecem dezenas de funções adicionais e mais avançadas.
Insta destacar que, estranhamente, as compras inadequadas e tentativas de fazer das aquisições desses caríssimos “óculos falantes” políticas públicas e mera propaganda política ocorrem ao mesmo tempo em que materiais didáticos em Braille, para crianças e adolescentes cegos, e ampliados e adaptados, para os alunos com baixa visão, não são entregues. Essas mesmas crianças e adolescentes, em regra, têm enfrentado dificuldades para acessar recursos de estrema necessidade como bengalas, óculos de grau, lupas, próteses, regletes, máquinas Braille, medicamentos, dentre outros.
A ausência desses recursos imprescindíveis representa uma agressão a essas crianças e adolescentes, já que a infância é a etapa mais curta da vida. Qualquer dificuldade que essas pessoas com deficiência enfrentam no acesso e na inclusão deixa uma lacuna complexa para ser reparada na fase adulta.
É importante destacar que somente os materiais em Braille oferecem, aos estudantes cegos de qualquer idade, acesso direto à estrutura da gramática e da grafia, além dos símbolos matemáticos, químicos, dentre outros. Já os materiais ampliados e adaptados atendem às necessidades dos estudantes com baixa visão e, inclusive, são indispensáveis para que essas pessoas exercitem o pouco que enxergam. Portanto, submeter esses estudantes a qualquer recurso, sem uma avaliação criteriosa, pode, inclusive, representar um risco ocular a médio prazo.
Não bastasse esse desperdício de dinheiro público, com a compra do OrCam MyEye, ocorrer em âmbitos locais, o lobby no âmbito do legislativo federal também prossegue. No dia 18 de abril de 2024, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou um texto substitutivo ao PL 2669/22. Essa nova versão tenta alterar a Lei Brasileira de Inclusão para estabelecer que o poder público estimule e apoie a disponibilização dos óculos falantes OrCam MyEye. Tal proposta, além de ser capacitista, representa uma afronta, já que tenta transformar a LBI, em um penduricalho para meros interesses comerciais.
É determinante que os gestores entendam que as pessoas cegas, com baixa visão e qualquer outra deficiência precisam participar da decisão pela compra ou não de recursos de tecnologia assistiva, juntamente com suas famílias, especialistas e entidades especializadas em habilitação, reabilitação e defesa de direitos, pois são elas as mais interessadas. Somente dessa forma é possível garantir o uso adequado dos recursos públicos e a efetiva inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência, exatamente como preconizam o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão – LBI.
Assim sendo, nós, delegados e delegadas da Quinta Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, externamos nosso repúdio as compras inadequadas dos “óculos falantes” OrCam MyEye com dinheiro público para pessoas cegas e com baixa visão de qualquer idade, em especial para crianças e adolescentes em faze escolar.
Nenhum interesse privado pode nortear decisões sobre as verdadeiras demandas das pessoas cegas e com baixa visão! Nada sobre nós sem nós!