A Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB, entidade sem fins lucrativos, apartidária, arreligiosa e atuante na defesa e garantia de direitos de pessoas cegas e /ou com baixa visão por meio de uma rede composta por entidades e movimentos sociais, manifesta-se favorável à todas as ações no sentido de ofertar acessibilidade comunicacional na arte produzida no Brasil, notadamente nas salas de cinema.
A Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei 13.146/2015), traz algumas determinações no que diz respeito à acessibilidade nos cinemas brasileiros, direitos arduamente conquistados e agora ameaçados por algumas ações e intenções no cenário político nacional.
O Presidente da República editou, em 31/12/2019, a Medida Provisória 917/2019, que altera o art. 125 da Lei nº 13.146/2015,, para dispor sobre a acessibilidade para pessoas com deficiência nas salas de cinema.
Dessa forma, o parágrafo 6º do inciso II do Art. 125 da citada lei deu 12 meses a mais para que as salas de cinema se adequem às normas de acessibilidade, prejudicando em muito os espectadores cegos, com baixa visão, surdos e ensurdecidos, que passam mais um ano sem poder usufruir da arte brasileira como todas as demais pessoas.
A implementação dos recursos de acessibilidade, como a audiodescrição, legendagem e interpretação em Libras, deveria ocorrer em etapas pré-estabelecidas e estaria concluída até o final do ano de 2019. Dessa forma, a oferta de acessibilidade plena começaria a vigorar, em caráter obrigatório, em janeiro de 2020. O que ocorreu, porém, foi a prorrogação desse prazo em mais um ano pela citada MP, posteriormente convertida na Lei 14.009/2020.
De acordo com profissionais que atuam na área da audiodescrição e acessibilidade comunicacional,
“Ao buscar informações que nos permitissem iniciar uma campanha para derrubar a Medida Provisória 917/19, descobrimos que há um segmento que tenta aprovar alterações na Lei Brasileira de Inclusão, com o objetivo de estabelecer uma série de retrocessos gravíssimos na Cultura nacional. Essas alterações trariam, como consequência, prejuízos a inúmeras empresas brasileiras, além de acabar com o emprego de atores, dubladores e técnicos da indústria cinematográfica – o que atinge diretamente toda a população brasileira, que se beneficia da arte e do entretenimento promovido pela produção audiovisual nacional”.
O Senado aprovou, por unanimidade, em 28/05/2020, a Medida Provisória supracitada. A norma foi convertida na Lei 14.009/2020, publicada no Diário Oficial no dia 03/06/2020.
A Senadora Soraya Thronicke, relatora da lei, felizmente rejeitou todas as emendas negativas apresentadas ao texto. A maioria dessas sugestões foram consideradas estranhas à matéria. Mas isso não é suficiente. Sabemos que existem grandes interesses em postergar e até mesmo não implementar os recursos de acessibilidade, bem como retirar direitos arduamente conquistados.
As emendas, que por ora foram rejeitadas mas que podem voltar à pauta por meio de outros projetos de lei, medidas provisórias ou mesmo emendas a outros projetos a serem apreciados, previam a supressão dos recursos de acessibilidade elencados na LBI, supressão da determinação de acessibilidade em todas as seções, eliminação do direito à meia entrada, redução dos incentivos às empresas nacionais que produzem arte, Tudo em nome da “liberdade econômica” dos empresários.
Vale citar ainda a intenção de eliminar a contribuição das empresas de comunicação ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), o que provocaria mais um rombo econômico nas produções que não tem caráter comercial.
Mesmo com os direitos já previstos na LBI, sabemos que na área do audiovisual ainda persistem barreiras que dificultam e muitas vezes obstam o direito das pessoas com deficiência de terem pleno acesso às produções. A imensa maioria dos filmes disponíveis no Brasil ainda não conta com legendagem descritiva, Língua Brasileira de Sinais, não possui audiodescrição e, apenas em caráter excepcional, os espaços públicos exibem conteúdo com acessibilidade para pessoas com deficiência visual e auditiva.
A Lei em comento, por agora, amplia o prazo para o início da adequação obrigatória das salas de cinema para que possam oferecer recursos de acessibilidade em todas as sessões para as pessoas com deficiência. Mas como se pode notar, o grande risco é que o deliberado ataque contra a inclusão dessas pessoas não pare por aí. É urgente e fundamental que as pessoas, órgãos e instituições que atuam na área da acessibilidade estejam atentas e unidas no sentido de empreender esforços para que os direitos já previstos na LBI não sejam, como este prazo, postergados ou mesmo revogados.
Por todo exposto, a Organização Nacional de Cegos do Brasil manifesta lamento e grande indignação por conta de tantas intenções contrárias à inclusão e pugna pela manutenção dos direitos garantidos pela Lei 13.146/2015, que tem sua base na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por nosso país com status constitucional.
São Paulo, 03 de junho de 2020
Alberto Pereira
Presidente da ONCB