A Organização Nacional de Cegos do Brasil denuncia que máquinas de cartão de crédito e débito com tela touch continuam dificultando ou impedindo que pessoas cegas ou com baixa visão paguem suas compras com autonomia, segurança e dignidade
Mais comum do que parece, pessoas cegas ou com baixa visão que tenham passado por um processo de habilitação ou reabilitação e estão ativas no mercado de trabalho viajam; frequentam festas, teatros e shows; e consonem em restaurantes, bares, mercados, farmácias, perfumarias e outros estabelecimentos com total independência. No entanto, pela má concepção em seus desenhos técnicos, algumas novas tecnologias que poderiam agregar ainda mais acessibilidade têm representado um grande empecilho para esse segmento composto por cerca de 7 milhões de Brasileiros (IBGE 2010).
Ao longo dos últimos anos, as pessoas com deficiência conquistaram inúmeras vitórias nos âmbitos social, legal e tecnológico. Esse cenário garante uma vida mais independente, autônoma, participativa e inclusiva. Porém, alguns projetos de equipamentos têm desconsiderado, em seus desenhos, as pessoas com deficiência como membros sociais e economicamente ativos, descumprindo a legislação brasileira e a Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa Com deficiência, dentre outros acordos.
Nos últimos cinco anos, as antigas máquinas com teclas físicas para utilização de cartões de débito ou crédito têm sido substituídas por outras, sem o mínimo de acessibilidade. Esses novos modelos, com telas touchscreen, apresentam design falho e restritivo, que priva as pessoas com deficiência visual de utilizarem o tato, um de seus sentidos mais importantes.
Sem qualquer acessibilidade sonora, de ampliação ou tátil, essas novas máquinas vêm sujeitando as pessoas com deficiência visual a inúmeros constrangimentos, como tentar digitar várias vezes a senha até bloquear o uso, ter de passar a senha de seus cartões para que algum conhecido a digite ou, pior, se estiver desacompanhada, ter de informar a senha para uma pessoa estranha.
Desde 2015, quando recebeu os primeiros relatos de dificuldades enfrentadas por pessoas cegas e com baixa visão de todo o Brasil, a ONCB promoveu e participou de inúmeras ações com o objetivo de superar as barreiras impostas por tais máquinas. Nesse sentido, elaborou notas e parecer, informou e solicitou providências do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (Conade) e na Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, coordenou encontro entre fabricantes e seus representantes, participou de dezenas de reuniões, assim como entrou com uma denúncia junto ao Ministério Público de São Paulo, registrada com o número 68988/2015.
Ainda na busca de encontrar soluções que de fato pudessem atender as necessidades dessas pessoas com deficiência visual, durante cerca de dois anos, a ONCB também promoveu um diálogo propositivo, amplo e constante com a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), que representa 95% dos principais emissores, bandeiras, credenciadoras e processadoras de cartões de crédito, débito, de loja e de benefícios. Porém, em dado momento da construção, a associação deixou de dar retorno e de dialogar, optando por soluções isoladas que têm se mostrado ineficazes.
Conforme apuramos, para cumprir um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), foram lançadas, às pressas, duas supostas soluções. A primeira, uma película tátil que quase nunca é encontrada e que se mostra insuficiente quanto à usabilidade. A segunda, um aplicativo com erros de conceito e falhas, inclusive na leitura do valor informado à pessoa cega.
Sem intenção de sermos contrários a qualquer avanço tecnológico, é preciso uma grande sensibilização e atuação para que esses dispositivos abarquem conceitos de acessibilidade e de desenho universal, para permitirem a utilização acessível, independentemente das características pessoais, de maneira que a inovação não represente prejuízo ou exclusão de milhões de pessoas que, nesse caso específico, esperam apenas que seu direito de digitar as senhas com autonomia e segurança no momento das compras seja garantido.
Por tudo que foi relatado até aqui, a Organização Nacional de Cegos do Brasil convida os veículos de comunicação, o Ministério Público, a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, os conselhos nacional, estaduais e municipais das pessoas com deficiência, o Conselho Nacional de Assistência Social, os mais variados setores da sociedade e as próprias pessoas cegas e com baixa visão, diretamente prejudicadas por essa falta de acessibilidade, para juntarem-se a nós nessa busca pela verdadeira acessibilidade em todas as máquinas de cartão.
Beto Pereira
Em julho de 2016, procurei o Ministério Público Federal para a defesa de meus direitos de cidadania, no que diz respeito ao meu sigilo bancário e à minha privacidade no momento do pagamento de minhas contas, por meio do meu cartão bancário de débito ou dos meus cartões de crédito. Até o momento, o problema não foi resolvido pelas autoridades nacionais. A primeira vez em que me deparei com uma máquina de cartão não acessível aos cegos foi, em julho de 2014.